sábado, 23 de abril de 2016

Anatomia de um Estúdio de Gravação



Nesta postagem registro como foi construído o estúdio Plaza, o home studio do meu querido amigo Leo Gandelman. Mas antes uma pequena nota para os músicos, técnicos e produtores que trabalham comigo nos shows de música. Eu também sou envolvido com estúdios, e desde muito cedo. Comecei como técnico de gravação no estúdio TOK na Rua São Clemente, aqui na zona sul do Rio de Janeiro. É, quero dizer, foi... o primeiro estúdio brasileiro independente com gravador de fita de 8 canais e mesa Tascam / Teac 5!!! Foi a partir desta segunda moradia que eu comecei a ouvir e a conviver com os melhores músicos do planeta... e depois, juntando a faculdade de Engenharia com a construção do meu analisador de espectro, fui parar em uma empresa de acústica que construía estúdios de gravação nos meados da década de oitenta. Tá aí a origem do meu envolvimento com projetos de estúdios de gravação que vem desde os 23/24 anos de idade. Na falta de uma descrição melhor desta especialidade, e já que não sou arquiteto, posso dizer que sou um studio designer.

MEU PASSADO ME CONDENA: CONSOLE TEAC MODEL 5, GRAVADOR DE OITO CANAIS 80-8 E GRAVADOR REVOX B-77 !!! 
QUEM OUVIU, OUVIU...

Enfim, faço esta observação porque vários colegas do showbusiness desconhecem este meu lado, assim como o pessoal de gravação também não sabe de meu envolvimento com outras atividades do Áudio. E você que vem a este blog observar, acabará notando uma certa confusão de temas... Há muito mais por vir, espere e verá...

Ah... eu também gosto de cozinhar...

DEZEMBRO 2014 - VISITA AO FUTURO ESTÚDIO


As fotos acima foram tiradas no início de Dezembro de 2014 quando eu e o Leo Gandelman visitávamos mais um apartamento candidato a moradia e estúdio. Ele já havia eleito a sala da foto como o espaço mais adequado para o estúdio. Mas será que caberia? 
-Aqui cabe o estúdio?
(Vocês têm alguma ideia de quantas vezes eu já ouvi esta pergunta?)

Logo de início algumas idéias do Leo já se tornaram diretrizes do projeto. São os desejos iniciais do cliente que procuro objetivar até o final da construção. Por exemplo, a luminosidade natural deveria ser preservada, mesmo com algum prejuízo de outros fatores (ex.: acústica, ou mesmo o custo final). Ao longo do tempo surgiram muitas outras diretrizes e também algumas dúvidas que não foram respondidas até hoje. Enfim, partimos para o projeto preliminar e o estudo da perda de transmissão sonora (isolamento). 


MODAIS DA SALA DE GRAV., CONTROL ROOM E BOOTH



Há vários modos para se obter as conclusões, desde ir à biblioteca e procurar por todos estudos e ensaios feitos em laboratórios de medição, ou fazer cálculos aproximados baseados nas tabelas dos fabricantes de materiais de construção e de marcenaria e multiplicar por 3. Afinal, a Engenharia não se fundamenta no coeficiente de cagaço? Mas o que fazer quando o dinheiro é curto ou o seu tempo de pesquisa se torna escasso? Projetar nunca foi uma atividade trivial... O meu conselho, para quem quer se aventurar, é: Use um bom software de predição. Eu recomento o Insul, é super prático. 


INSUL, MIL E POUCOS EUROS. 
VALE CADA CENTAVO
Veja que nesta etapa preliminar já se deve fazer a análise modal e escolher as melhores dimensões do ambiente do ponto de vista da distribuição das ressonâncias. No caso do Leo usei o critério de Bonello através da planilha do Sólon. Neste ponto o estudo se dividiu em duas possíveis plantas com configurações diferentes. Após um bom tempo considerando os prós e contras, escolhemos a proposta com o melhor uso do espaço. 


Na sequência dos trabalhos chegamos ao Inner Shell. No estúdio do Leo esta camada tem dupla função: faz parte tanto do isolamento, como também da absorção interna. Este revestimento é composto por drywall (triplo nas paredes e duplo no teto). Através de quatro pranchas, detalhei com muita atenção os seus "furos" - por trás de cada possível passagem de ar (spot de iluminação, multicabo, tomada de energia etc.) há uma guarnição acústica que fica por trás do gesso acartonado. Afinal, ensaiar e gravar dentro de um apartamento exige muita atenção no isolamento!


Obra é obra... os problemas surgem e vão sendo resolvidos


Acelerando a linha de tempo, veja algumas etapas importantes na construção do estúdio.


PAREDES SEMINUAS, APENAS ELÉTRICA E AR COND.
















FECHAMENTO DO DRYWALL - PAREDE
DA PORTA DE ENTRADA





















MEDIR UMA, DUAS, TRÊS VEZES PARA
TUDO SE ENCAIXAR




















ENTRADA DO BOOTH DE BATERA - ANTES





















ENTRADA DO BOOTH - DEPOIS





















TETO QUASE PRONTO, FALTAM APENAS OS SPOTS




















CONTROL ROOM TOMANDO FORMA




















INTERIOR DO BOOTH DE BATERIA



















CRISTIANO FEITOSA, SEGUNDA GERAÇÃO
CONSTRUINDO ESTÚDIOS




















JOSÉ FEITOSA, AMIGO E MESTRE MARCENEIRO




















CAUÃ FEITOSA, FUTURO MARCENEIRO,
APROVANDO O DIAGRAMA DO PATCHBAY






















HENRIQUE GANDELMAN NA SUPERVISÃO DE TUDO




















BETINHO RECAPEANDO A PORTA DE IPANEMA





















MONTAGEM DO PISO FLUTUANTE




















TESTANDO A TEMPERATURA DE COR DOS SPOTS




















FASE DO ACABAMENTO FINO 
TESTA DO CONTROL ROOM


















TESTA DO CONTROL ROOM NO LUGAR



















VISOR, SEMPRE COM MUITO CUIDADO



















VISTA DO CONTROL ROOM




















NICE CLOUDS!




















GRAVANDO




















ENSAIANDO



















FOTO DE ESTÚDIO SEM BATERA?




















AUXÍLIO LUXUOSO DE MARCIO WERDERITS
NA INSTALAÇÃO




















FAMILIA FEITOSA























ESTAMOS JUNTOS DE NOVO!


Se você quiser curtir o som deste estúdio, procure ouvir o programa "Vamos Tocar" pelo canal BIS. Ouça em um bom sistema estéreo ou com bons headphones. Deixe seus comentários por aqui.


















segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Akio Morita e o bolso vazio (meu ou dele?)


Quando o Akio Morita viu pela primeira vez o protótipo de seu walkman, olhou para o grande bolso vazio de sua camisa branca de executivo e disse:

"Caraca! Ainda vou fazer ele caber aqui dentro!"

Sim, ele disse "Caraca!" em japonês... 

Brincadeiras à parte, sou um grande admirador do trabalho do fundador da Sony. O walkman foi apenas mais uma de suas famosas e admiráveis criações. Que eu saiba, este pequeno reprodutor de fita cassete foi o primeiro produto eletrônico de consumo a atingir o sucesso em escala planetária. Faltou exportar para a Lua. Seria o iphone dos anos 80 se a Sony tivesse a exclusividade tecnológica. Alguns detalhes desta maravilha: O seu "chassis" era baseado em um pequeno gravador cassete usado por jornalistas. E o grande diferencial técnico estava no uso de fones de ouvido de boa sensibilidade que baixava consideravelmente o consumo das pilhas. Que pena para a Sony, a idéia era fácil de copiar...


O Brasil Grande


Volta e meia a história da Sony me vem à cabeça. Li o livro Made in Japan mais de uma vez, foi meu livro favorito durante muito tempo. Não sou do tipo nacionalista, até porque me considero mais brasileiro do que descendente de japonês, ao contrário de alguns da minha família. Mas gosto muito da história que este livro narra, é a saga da empresa e de seu fundador em um país cheio de dificuldades. A Sony cresceu e revolucionou os produtos eletrônicos de consumo e quebrou um forte paradigma da época: o Japão produtor de cópias de máquinas 
Na Suécia antes do nome
walkman vingar em todo mundo
fotográficas alemãs e de outros produtos mais baratos e sem valor agregado - mais ou menos como a China do passado. A Sony liderou uma revolução industrial baseada na inovação com alta tecnologia eletrônica. O país era mais um emergente e acabou por torna-se um poder econômico e ícone cultural no final dos anos 90. Acho que li e reli o livro porque procurava uma explicação ingênua para o Brasil. Não entendia por que não seguíamos o mesmo caminho de sucesso. 


Eu nasci em 1965. Quando criança, fui apresentado ao nosso país dentro da escola durante a década de 70. Alguém se lembra das aulas de Moral e Cívica? É, ensinavam sobre o Brasil Grande. Todos da minha geração cresceram ouvindo que o Brasil era o país do futuro. Acreditávamos, pois víamos grandes construções de concreto serem iniciadas por todos os lados. O governo militar era o pai de todos. Para uma criança isso era impressionante. E nos foi prometido um futuro. 

Dá para entender a profunda frustração que passamos hoje?


A minha geração acabou e a próxima não terá um futuro bom


Todos da minha geração acreditaram - alguns ainda acreditam - que o Brasil é o país do futuro. Não quero politizar o tema, mas como não fazê-lo? Toda esta crise econômica que vivemos hoje - com forte reflexo na estrutura social - vai continuar durante um bom tempo. É o resultado das decisões políticas tomadas erradamente. O partidão optou por um modelo econômico que não traz desenvolvimento para a indústria nacional. Nunca veremos uma história como o da Sony se repetir em território brasileiro. Preferimos construir shopping centers do que estimular a fabricação de produtos Made in Brasil. É o nosso modelo baseado no estímulo ao consumo interno e de desestímulo da produção de bens de capitais. A indústria nacional (não falo apenas do áudio) está acabando. Os fabricantes nacionais que se tornaram importadores, agora se sentem traídos pelo grande capital e estão à beira do abismo gerado pela taxa de câmbio. Será que a grande indústria voltará a produzir como antes? Virar a face da moeda? Difícil prever.

São muitas questões a serem respondidas antes de dar o próximo passo. Pena que a nova geração não tem a menor ideia do que eu estou falando... O meu sobrinho está entrando na fase adulta. Ele é de uma geração que já nasceu consumista e que não dá a mínima para a origem dos bens. Afinal, o mundo da globalização não faz questão de explicar os muitos detalhes da geração da riqueza, da dependência tecnológica etc. Não faço aqui um julgamento de valor da nova geração, é apenas uma observação. Entre eles há muito pouco questionamento sobre o nosso way of life. E sem este questionamento, diminui a vontade de revolucionar por conta própria. E de empreender, de inovar. Por isso afirmo: o futuro em 20 anos não será bom. E mesmo que o jovem queira empreender, não é estimulado. E quando quer crescer por conta própria, é derrubado. Veja um exemplo, o vídeo sobre a regulamentação da emenda constitucional que está arrasando com os pequenos empreendedores. Muitos dependem do comércio eletrônico com os Estados de fora de sua origem. Eles realizavam dez, vinte vendas diárias de pequenos valores. Incrível como o nosso governo conseguiu, em uma única tacada, arrasar com o produtor de miçangas do interior de Alagoas (contrariando o "espírito" da lei que pretendia proteger as regiões de baixa produção) e também o pequeno fabricante de fontes de alimentação da grande capital. Strike nacional, sem preconceito regional ou de nível tecnológico. 



Como será possível surgir por aqui uma Hewlett-Packard? Apple ou outra empresa de tecnologia a partir de jovens estudantes com muito tesão, com uma ideia simples na cabeça e um fundo de quintal para iniciar? E não me venha falar em startup's... Estou falando de produtos de verdade, de uma empresa que quer prosperar e se tornar sólida. Estou falando do nascimento (ou renascimento) da indústria de produtos com alto valor agregado - geralmente é o caso de uma empresa de tecnologia. Estou falando sobre know-how feito aqui dentro, sem manual ou diretriz de uma empresa mãe. Me arrisco a abrir o leque além do hi-tech. Viva o lo-tech! (Um dia falo sobre isso...).


Ok, e o que tudo isso tem a ver com o nosso circuito de hoje? 


Em um recente encontro com meu amigo Branco, que além de bom técnico também é guitarrista, mostrei pela web o Smokey Amp, um pequeno amplificador de guitarra montado dentro de um maço de cigarros... É isso mesmo, você ouviu certo! Foi o que eu disse (também) para o Branco. Ele ficava rindo, incrédulo (você também está rindo?). Quem iria comprar isso, ele disse. E eu respondi: qualquer um! Claro que é um brinquedo, e quem não gostaria de ter um brinquedo deste no bolso? Ele continuou rindo... E depois de explicar alguns detalhes para ele, ainda repeti: Este amplificador cabe no bolso, o maluco que inventou simplificou o circuito ao máximo e usou como "chassis" um maço de cigarros comum, de papelão mesmo (em vez de um gravador, como teria feito o Morita...). 



Bem, o Smokey Amp custa uns 34 dólares, lá. A versão no maço de cigarros vendeu 200.000 unidades! Não tenho certeza, mas acho que li que foram vendidas 3 milhões de unidades contando com as outras versões com gabinete de plástico. Então eu disse para o Branco: Vamos montar um negócio! Começamos a discutir os prós e os contras sobre a fabricação de um micro amp, depois de um amplificador médio, e acabou que neste mesmo encontro o Branco comentou algo sobre a nova lei do ICMS. Depois fui ler à respeito... Foi um banho de água fria... Impostos, o alto custo dos correios, e agora temos que arranjar mais tempo para a burocracia?! 

Não dá nem para iniciar um negócio ultra simples neste país? Este amplificador vai acabar custando muito caro pelo que ele oferece. 

Eu ainda não desisti desta e de outras ideias que vou publicando por aqui. Ou talvez deixe para o meu sobrinho desenvolver!



Sobre o circuito original


É claro que o nome Smokey Amp pertence ao Bruce Zinky, seu criador. Ele é um americano que trabalhou na Fender. Dentro da pequena caixinha de papelão, ele colocou um LM386, dois capacitores eletrolíticos, um alto-falante de interfone, uma bateria de 9V e dois jacks. O circuito foi simplificado ao máximo, pode até oscilar. O meu protótipo no protoboard (vide foto) fazia ruídos estranhos, mas depois estabilizou. Vou acrescentar um capacitor de 100nF desacoplando a fonte e talvez coloque um buffer na entrada, talvez mais um... Bem, aí vira um Ruby ou Little Gem... Ainda bem que já tenho a licença deles no Brasil... 
O coração do Smokey Amp está no LM386, um amplificador de áudio integrado que soa muito bem para uma guitarra quando esta satura o amplificador. E é muito fácil de saturar, ele está configurado para um ganho bem elevado. O LM386 não é um dos melhores em termos de ruído, mas é muito simples de usar, basta poucos componentes periféricos para fazê-lo funcionar. É muito usado em outros circuitos que devem ser simples, de baixo custo sem a exigência de alta qualidade. Amplificadores de fones, alarmes etc. A sacada do Bruce Zinky foi testá-lo para guitarra. Monte o seu e me diga se gosta do som! É claro que você vai gostar! 






Testando o circuito e
escolhendo uma caixinha
mais adequada

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Mixagem: Conceitos e Fundamentos

Anos atrás eu escrevia muito para a Revista Backstage. Fui diminuindo a produção de textos ao longo do tempo, e hoje a minha participação é muito pouca e nem tudo que envio é publicado na íntegra. Não, não se trata de uma lamentação, é apenas uma explicação para alguns textos que encontro eventualmente em uma pasta perdida no hd do meu computador e que serão publicados aqui, na íntegra. O texto abaixo é a versão longa e crua, sem edição. Então, me perdoe se algumas partes do texto não fazem muito sentido ao expor este tema: Mixagem, Conceitos e Fundamentos.

Quais são os principais fundamentos e conceitos de uma mixagem?

Vou restringir a minha resposta a uma produção fonográfica, vou deixar de lado a produção cinematográfica, a publicitária etc. cujos objetivos diferem um pouco da nossa atividade normal. 
Bem, vou simplificar. Entre as centenas de respostas corretas, acho que tudo tem origem em uma premissa: a mixagem deve expressar, o mais fielmente possível, a arte do intérprete/grupo, assim como dos músicos participantes nas diversas etapas de composição, arranjo e execução. Qualquer proposta fora desta premissa básica não é a verdade, então, neste caso, vale qualquer coisa e, provavelmente, não se trata de uma obra musical. Para mim, qualquer técnica avançada de compressão negativa ou paralela é menos importante que o conceito artístico, e este tipo de orientação deverá vir do produtor que é o responsável pela coordenação dos trabalhos. Enfim, é melhor ANTES ouvir o que o produtor e o artista têm a dizer sobre o conceito artístico da obra do que criar um PRÉ-CONCEITO de como deverá ser a mixagem. Só para ilustrar, tem aquela velha história (verdadeira) do técnico que, ao chegar no estúdio, já vai pendurando os periféricos/plug-ins antes mesmo de ouvir como é a música. Será que ele realmente ouve o que faz, ou apenas enxerga? 

O que o profissional deve levar em conta na hora de mixar uma música?

Valorizar as orientações do produtor. Quando for adequado, contribuir com idéias novas e sempre se perguntar: Essa idéia ajudou a música, ou é apenas um efeito (defeito) sonoro? O que estou ouvindo aqui no estúdio, causará a mesma impressão no ouvinte em casa, no carro etc.? A acústica aqui na sala técnica é confiável? 

Existe diferença ao mixar uma música que já chegou gravada para o técnico de mixagem, sem que este tenha participado do processo de gravação? Quais os principais cuidados que o profissional deve ter nos dois casos?

Sim, é muito diferente. Um briefing com o produtor e/ou artista é muito importante. A mixagem é uma etapa poderosa, então, a música pode tomar caminhos completamente diferentes do que é desejado. Depende do “acento” que o técnico imprime na mixagem. É muito importante entender o desejo e o conceito do belo que passa na cabeça do produtor/artista. Uma velha dica: peça referências antes de mixar. Discuta com o produtor/artista por que ele gosta tanto daquela faixa do artista “X” naquele disco “Y”. Ouvir outros trabalhos já realizados é muito útil, os melhores técnicos e produtores do mundo fazem isso.

O que um profissional deve sempre levar em conta na hora da mixagem para que esta seja bem equilibrada?

Baseado no que eu tenho ouvido recentemente, fica um conselho, fora os cuidados mais básicos: Cuide melhor da imagem espacial. Preocupe-se mais com o posicionamento de cada instrumento e menos com a compressão. Um “palco” com boa distribuição dos instrumentos “desentope” uma mixagem de muitos canais. Quem está mais antenado sabe que não estou falando apenas do PAN. Muita compressão nos canais individuais, em vez de ajudar, prejudica uma mixagem muito complexa.
    
Como definir a importância dos instrumentos na hora da mixagem?

Isso depende muito da formação musical e das influências recebidas por cada um da produção, incluindo o técnico. Se a bagagem é boa, de qualidade, o técnico vai facilmente interpretar as intenções do arranjo. Você me entende? Em uma produção bem estruturada, com a parte musical resolvida antes da sessão de mixagem, o técnico não terá dificuldade alguma em subir ou baixar os faders. Isso já foi resolvido lá atrás pelo arranjador. Ele escreveu a música de forma que os instrumentos participem de uma forma orgânica na música. Se o arranjador não for de Marte, e estiver no mesmo nível dos outros profissionais envolvidos, não há porque se preocupar. Basta dar Play, equilibrar a mixagem e fazer os pequenos ajustes que cada um deseja. É claro, com o aval do produtor. Agora, se o arranjo não está resolvido... Vamos deixar esta questão em aberto, por enquanto.

O que é fundamental em uma mixagem? Não exagerar na compressão, atenuar as altas frequências..?

Pergunta difícil... Como aprendemos nos cursos por aí, a estética musical muda de década em década, mais ou menos. Um gate reverb na caixa do Phil Collins causaria pânico em uma mixagem atual – mas era um conceito inovador e belo para a época. Confesso que não gosto de muita coisa que ouço por aí, mas quem sabe, eu não esteja ultrapassado e cego (surdo...) para a nova estética?  De qualquer forma, a minha opinião atual é que há uma tendência exagerada para se distorcer o sinal original. Só para ilustrar, eu faço alguns circuitos por encomenda para amigos. Prés e equalizadores artesanais, nada em escala industrial. Isto me permite um contato bem íntimo com os usuários. Entre os prés de maior fidelidade e os que imprimem uma personalidade própria, adivinha o que eles preferem? Os vintage, os que produzem um som diferente. Tudo bem, pode ser uma boa ferramenta de produção, mas há muitas outras cores na paleta! Enfim, o fundamental em uma mixagem é o equilíbrio em tudo: Equilíbrio entre melodia, harmonia e ritmo. Equilíbrio no uso da eletrônica. Equilíbrio, equilíbrio e equilíbrio.
  
Quais os erros mais comuns e o que pode acabar com a sua mixagem? Descaracterizar a voz do artista, por exemplo, na equalização?

Na minha opinião, a descaracterização dos instrumentos. Isso vai um pouco contra a minha formação musical. É engraçado, mas cada dia eu comprovo mais esta realidade: 30 anos atrás, só operava nos estúdios quem era técnico, quem tinha um mínimo de conhecimento em Áudio. Hoje, percentualmente, há muito mais músicos operando equipamentos. Trinta anos atrás eu ouvia uma mixagem que se traduzia em música. Hoje eu ouço uma mixagem e não reconheço os instrumentos. Hoje a música se traduz em um “periférico” mal regulado... Tá tudo over, tudo processado – o Plug-in virou arranjo musical.

DANI, ACRESCENTEI OUTRAS PERGUNTAS, CASO VC QUEIRA EXPLORAR O ASSUNTO COM MENOS “FILOSOFIA”

Para quem está iniciando, quais dicas você daria para uma boa mixagem?

Bem, primeiro vale uma dica para experts e novatos: Se você não participou da sessão de gravação, se você não conhece a música, antes mesmo de abrir e começar pelo primeiro canal - o bumbo - pare e levante todos os canais a meio volume. Sem compromisso com a qualidade, ouça uma prévia, tenha uma noção do que se trata.  Assim você “acessa” seu banco de dados mental e filtra muitas informações desnecessárias. E pré-seleciona outras que tem a ver com o que você escutou em uma visão “macro”.  Agora sim, você começará a se preocupar com a visão “micro”. Como os novatos geralmente têm dificuldades em formar uma boa estrutura de ganho, em vez de abrir o canal 1, comece pelo canal de maior importância, de maior volume, como o canal de voz. Baseado na prévia que você registrou na sua memória, trabalhe na equalização deste canal de forma a dar destaque. Não mexa na dinâmica, deixe o compressor para depois. Vá trabalhando desta forma, canal por canal, do mais importante para o menos importante. Com este procedimento, o novato tem um controle melhor sobre os níveis, evitando, ao final do processo, ter que trabalhar com o master lá embaixo. Lá pelo meio da mixagem, talvez você perceba a necessidade do compressor em um determinado canal. Aplique-o e vá melhorando os ajustes conforme a evolução da mixagem. O maior erro dos menos experientes é tentar ajustar a compressão de um canal sem a perspectiva do fundo, dos outros instrumentos. 

Existe alguma técnica para o desenvolvimento nesta arte?
  
Já li algumas coisas boas na internet e há sempre novos métodos didáticos sendo desenvolvidos nas escolas de música e áudio. Quando eu ainda dava aulas, logo de início eu propunha um exercício: A partir de um CD conhecido, cada um deveria dizer quais instrumentos estavam presentes na mixagem e qual era o seu posicionamento em um “palco” 3D. A capacidade de “isolar” mentalmente um instrumento é tão importante e análogo como “combinar” estes instrumentos na mixagem. Enfim, há muitos métodos válidos por aí, mas o meu preferido é estar em companhia de grandes músicos... não existe melhor formação do que a influência e a companhia de grandes mestres, seja no momento da criação, seja nos ensaios. Assim é moldado o meu conceito do belo por quem cria a obra.