quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Mixagem: Conceitos e Fundamentos

Anos atrás eu escrevia muito para a Revista Backstage. Fui diminuindo a produção de textos ao longo do tempo, e hoje a minha participação é muito pouca e nem tudo que envio é publicado na íntegra. Não, não se trata de uma lamentação, é apenas uma explicação para alguns textos que encontro eventualmente em uma pasta perdida no hd do meu computador e que serão publicados aqui, na íntegra. O texto abaixo é a versão longa e crua, sem edição. Então, me perdoe se algumas partes do texto não fazem muito sentido ao expor este tema: Mixagem, Conceitos e Fundamentos.

Quais são os principais fundamentos e conceitos de uma mixagem?

Vou restringir a minha resposta a uma produção fonográfica, vou deixar de lado a produção cinematográfica, a publicitária etc. cujos objetivos diferem um pouco da nossa atividade normal. 
Bem, vou simplificar. Entre as centenas de respostas corretas, acho que tudo tem origem em uma premissa: a mixagem deve expressar, o mais fielmente possível, a arte do intérprete/grupo, assim como dos músicos participantes nas diversas etapas de composição, arranjo e execução. Qualquer proposta fora desta premissa básica não é a verdade, então, neste caso, vale qualquer coisa e, provavelmente, não se trata de uma obra musical. Para mim, qualquer técnica avançada de compressão negativa ou paralela é menos importante que o conceito artístico, e este tipo de orientação deverá vir do produtor que é o responsável pela coordenação dos trabalhos. Enfim, é melhor ANTES ouvir o que o produtor e o artista têm a dizer sobre o conceito artístico da obra do que criar um PRÉ-CONCEITO de como deverá ser a mixagem. Só para ilustrar, tem aquela velha história (verdadeira) do técnico que, ao chegar no estúdio, já vai pendurando os periféricos/plug-ins antes mesmo de ouvir como é a música. Será que ele realmente ouve o que faz, ou apenas enxerga? 

O que o profissional deve levar em conta na hora de mixar uma música?

Valorizar as orientações do produtor. Quando for adequado, contribuir com idéias novas e sempre se perguntar: Essa idéia ajudou a música, ou é apenas um efeito (defeito) sonoro? O que estou ouvindo aqui no estúdio, causará a mesma impressão no ouvinte em casa, no carro etc.? A acústica aqui na sala técnica é confiável? 

Existe diferença ao mixar uma música que já chegou gravada para o técnico de mixagem, sem que este tenha participado do processo de gravação? Quais os principais cuidados que o profissional deve ter nos dois casos?

Sim, é muito diferente. Um briefing com o produtor e/ou artista é muito importante. A mixagem é uma etapa poderosa, então, a música pode tomar caminhos completamente diferentes do que é desejado. Depende do “acento” que o técnico imprime na mixagem. É muito importante entender o desejo e o conceito do belo que passa na cabeça do produtor/artista. Uma velha dica: peça referências antes de mixar. Discuta com o produtor/artista por que ele gosta tanto daquela faixa do artista “X” naquele disco “Y”. Ouvir outros trabalhos já realizados é muito útil, os melhores técnicos e produtores do mundo fazem isso.

O que um profissional deve sempre levar em conta na hora da mixagem para que esta seja bem equilibrada?

Baseado no que eu tenho ouvido recentemente, fica um conselho, fora os cuidados mais básicos: Cuide melhor da imagem espacial. Preocupe-se mais com o posicionamento de cada instrumento e menos com a compressão. Um “palco” com boa distribuição dos instrumentos “desentope” uma mixagem de muitos canais. Quem está mais antenado sabe que não estou falando apenas do PAN. Muita compressão nos canais individuais, em vez de ajudar, prejudica uma mixagem muito complexa.
    
Como definir a importância dos instrumentos na hora da mixagem?

Isso depende muito da formação musical e das influências recebidas por cada um da produção, incluindo o técnico. Se a bagagem é boa, de qualidade, o técnico vai facilmente interpretar as intenções do arranjo. Você me entende? Em uma produção bem estruturada, com a parte musical resolvida antes da sessão de mixagem, o técnico não terá dificuldade alguma em subir ou baixar os faders. Isso já foi resolvido lá atrás pelo arranjador. Ele escreveu a música de forma que os instrumentos participem de uma forma orgânica na música. Se o arranjador não for de Marte, e estiver no mesmo nível dos outros profissionais envolvidos, não há porque se preocupar. Basta dar Play, equilibrar a mixagem e fazer os pequenos ajustes que cada um deseja. É claro, com o aval do produtor. Agora, se o arranjo não está resolvido... Vamos deixar esta questão em aberto, por enquanto.

O que é fundamental em uma mixagem? Não exagerar na compressão, atenuar as altas frequências..?

Pergunta difícil... Como aprendemos nos cursos por aí, a estética musical muda de década em década, mais ou menos. Um gate reverb na caixa do Phil Collins causaria pânico em uma mixagem atual – mas era um conceito inovador e belo para a época. Confesso que não gosto de muita coisa que ouço por aí, mas quem sabe, eu não esteja ultrapassado e cego (surdo...) para a nova estética?  De qualquer forma, a minha opinião atual é que há uma tendência exagerada para se distorcer o sinal original. Só para ilustrar, eu faço alguns circuitos por encomenda para amigos. Prés e equalizadores artesanais, nada em escala industrial. Isto me permite um contato bem íntimo com os usuários. Entre os prés de maior fidelidade e os que imprimem uma personalidade própria, adivinha o que eles preferem? Os vintage, os que produzem um som diferente. Tudo bem, pode ser uma boa ferramenta de produção, mas há muitas outras cores na paleta! Enfim, o fundamental em uma mixagem é o equilíbrio em tudo: Equilíbrio entre melodia, harmonia e ritmo. Equilíbrio no uso da eletrônica. Equilíbrio, equilíbrio e equilíbrio.
  
Quais os erros mais comuns e o que pode acabar com a sua mixagem? Descaracterizar a voz do artista, por exemplo, na equalização?

Na minha opinião, a descaracterização dos instrumentos. Isso vai um pouco contra a minha formação musical. É engraçado, mas cada dia eu comprovo mais esta realidade: 30 anos atrás, só operava nos estúdios quem era técnico, quem tinha um mínimo de conhecimento em Áudio. Hoje, percentualmente, há muito mais músicos operando equipamentos. Trinta anos atrás eu ouvia uma mixagem que se traduzia em música. Hoje eu ouço uma mixagem e não reconheço os instrumentos. Hoje a música se traduz em um “periférico” mal regulado... Tá tudo over, tudo processado – o Plug-in virou arranjo musical.

DANI, ACRESCENTEI OUTRAS PERGUNTAS, CASO VC QUEIRA EXPLORAR O ASSUNTO COM MENOS “FILOSOFIA”

Para quem está iniciando, quais dicas você daria para uma boa mixagem?

Bem, primeiro vale uma dica para experts e novatos: Se você não participou da sessão de gravação, se você não conhece a música, antes mesmo de abrir e começar pelo primeiro canal - o bumbo - pare e levante todos os canais a meio volume. Sem compromisso com a qualidade, ouça uma prévia, tenha uma noção do que se trata.  Assim você “acessa” seu banco de dados mental e filtra muitas informações desnecessárias. E pré-seleciona outras que tem a ver com o que você escutou em uma visão “macro”.  Agora sim, você começará a se preocupar com a visão “micro”. Como os novatos geralmente têm dificuldades em formar uma boa estrutura de ganho, em vez de abrir o canal 1, comece pelo canal de maior importância, de maior volume, como o canal de voz. Baseado na prévia que você registrou na sua memória, trabalhe na equalização deste canal de forma a dar destaque. Não mexa na dinâmica, deixe o compressor para depois. Vá trabalhando desta forma, canal por canal, do mais importante para o menos importante. Com este procedimento, o novato tem um controle melhor sobre os níveis, evitando, ao final do processo, ter que trabalhar com o master lá embaixo. Lá pelo meio da mixagem, talvez você perceba a necessidade do compressor em um determinado canal. Aplique-o e vá melhorando os ajustes conforme a evolução da mixagem. O maior erro dos menos experientes é tentar ajustar a compressão de um canal sem a perspectiva do fundo, dos outros instrumentos. 

Existe alguma técnica para o desenvolvimento nesta arte?
  
Já li algumas coisas boas na internet e há sempre novos métodos didáticos sendo desenvolvidos nas escolas de música e áudio. Quando eu ainda dava aulas, logo de início eu propunha um exercício: A partir de um CD conhecido, cada um deveria dizer quais instrumentos estavam presentes na mixagem e qual era o seu posicionamento em um “palco” 3D. A capacidade de “isolar” mentalmente um instrumento é tão importante e análogo como “combinar” estes instrumentos na mixagem. Enfim, há muitos métodos válidos por aí, mas o meu preferido é estar em companhia de grandes músicos... não existe melhor formação do que a influência e a companhia de grandes mestres, seja no momento da criação, seja nos ensaios. Assim é moldado o meu conceito do belo por quem cria a obra.

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